natalia

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Aviso aos Psicóticos


Vou-me embora pra longe da internet e só volto no ano que vem.

Pra quem fica, uma ótima virada! Só cuidado para não virar demais, especialmente o copo, e depois não lembrar do que fez. Digo por experiência própria, não é bacana. Ou de repente é, né? Eu que não me lembro...

Beijocas e muito obrigada por terem feito parte do meu mundinho psicótico esse ano. Espero vê-los por aqui em 2010 - que, segundo o horóscopo austro-húngaro, é o ano da Psicose.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Vai tomar no karma!


Eu sou uma boa pessoa. Faço trabalhos voluntários, não desperdiço água, pago minhas contas em dia. Tá, eu sei, eu não faço nada disso. Especialmente a última parte. Mas eu sou uma boa amiga. Sou generosa. Dou bons presentes. Sempre me preocupei mais com os sentimentos dos outros do que com os meus próprios - salvo raríssimas exceções que me enchem culpa até hoje.
Então a pergunta que não me sai da cabeça é: "Cadê-a-porra-do-karma?" Ele existe? Por que não dá as caras pra mim, nunca? Tá bom, nunca é um exagero. Mas, sério. Não sou invejosa. Quero que todo mundo seja feliz (ok, todo mundo menos uma lista de doze pessoas que merecem o sofrimento eterno). Só que agora eu vou dizer uma coisa que vai soar como um argumento de uma criança de cinco anos fazendo bico:
E eu?
Sério. E eu? Há tempos que eu fico feliz pelos outros. Quando é que eu vou poder ficar feliz por mim?
Posso não ser a melhor amiga ou a melhor filha do mundo. Posso não dar esmola aos desabrigados. Posso, inclusive, chegar a ofendê-los um pouco quando eles passam de pedintes a insistentes. Posso, acidentalmente, chutar crianças no shopping. Posso sentir um prazer sádico ao ver o povo queimando os pés na areia escaldante da praia de Copacabana. Posso ser horrível às vezes, especialmente pela manhã, antes de tomar café. Mas eu sou uma boa pessoa. E já estou ficando de saco cheio de nunca ser recompensada.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pelotão, sentido!


Não me considero uma garota difícil. Posso ser neurótica, paranóica e obsessivo-compulsiva, mas, tirando isso, não sou exatamente complicada.
Nunca fui boa em joguinhos, apesar de dominar todos eles na teoria. Não minto bem, apesar de ser uma razoável intérprete de mim mesma.
Quando se trata de sentimentos, meu primeiro impulso será sempre o mais legítimo.
É por isso que eu não me conformo com certas atitudes que eu vejo ou escuto falar por aí. Cheguei a elaborar um manual de como chamar uma psicótica para sair e, apesar de algumas regras terem suas exceções, existem aquelas que precisam, invariavelmente, ser respeitadas. São invioláveis, como os códigos guerra.
A primeira delas diz respeito à antecedência. As únicas pessoas para quem eu ligo em cima da hora são os meus amigos mais próximos. E eu estou falando de quatro, cinco pessoas no máximo. Para todos os outros, no mínimo, uma hora.
Então, veja bem. Se eu tomo esse cuidado todo com quem eu sequer troquei fluidos corporais, imagina com quem eu tenho um histórico de intercâmbio. Minha regra é: quanto mais complexo for o histórico, maior a atenção que deverá ser dada a antecedência.
Porque quando você chama uma pessoa para sair tão em cima da hora, é quase como se você dissesse: "olha só, eu tava por aqui mesmo, ninguém pôde vir, então eu te liguei" - o que, para um amigão, pode até ser aceitável. Mas se há um histórico, é bom ter disciplina.
Isso inclui ligar mais cedo e perguntar o que a pessoa quer fazer ou que filme ela quer ver - deixando claro que o plano é encontrá-la, independente da programação do Segundo Caderno ou da proximidade geográfica do cinema em relação a sua casa.
Outra coisa que me incomoda - e que, na minha opinião, fere os códigos de guerra - é a falta de firmeza nas decisões.
Imagine que você está num pelotão. Se você der um passo à frente, amigo, já era. Não dá mais pra voltar. "Ou vai ficar de veadagem?", o comandante vai questionar.
Antes de assumir uma posição, pense. Porque uma vez dado esse passo, será bastante patético olhar pro lado, assobiar e fingir que não é com você.
Se for pra tomar uma iniciativa, tome-a com firmeza. Caso contrário, nem se dê ao trabalho. Pede pra sair! Que o pelotão se vira bem, aspira.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Então é Natal...

Primeiro eu me arrependi de ter acordado. De abrir os olhos e pensar onde caralhos eu estou(?). Depois eu me arrependi por não lembrar de metade das coisas que aconteceram na noite anterior - só para, logo em seguida, me arrepender ao lembrar da outra metade. Aí veio a náusea, a dor de cabeça e o arrependimento pela segunda garrafa de vinho. Na manga direita da blusa, uma grande mancha roxa, cercada por várias outras menores, como se a minha roupa tivesse seu próprio sistema solar composto por gotículas de vinho. Me arrependi de ter bebido direto do gargalo enquanto dançava "Paint It, Black".
"Bom dia", alguém me disse.
E eu sorri. Nada arrependida.


(TRILHA NATALINA: "Paint It, Black" - Rolling Stones)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

I Started A Joke

Foi preciso uma noite e uma garrafa de vinho para entender. Que quando você faz piada das coisas que te incomodam, a piada se vira contra você. E te dá o troco.



Agora, se vocês me derem licença, eu vou ali fazer algo de que eu provavelmente me arrependerei amanhã.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

15 de dezembro de 1949


Há um ano, eu escrevia o primeiro texto deste blog. Lembro de estar diante deste mesmo batcomputador, neste mesmo batquarto e com uma sensação reconfortante de que este seria o meu ano.
Nunca considerei essas tais "Festas" muito festivas. Primeiro porque eu sou judia - o que significa que enquanto todas as outras crianças ganhavam presentes e compreendiam o verdadeiro significado do Espírito de Natal, eu passava a noite sozinha assistindo "Esqueceram de Mim" na TV.
O segundo motivo é a pressão massacrante que as pessoas fazem para que você tenha um Feliz Ano Novo. Sempre a mesma coisa. Vai chegando dezembro e a pergunta já começa a se proliferar como uma virose ou um spam com supostas fotos da Leila Lopes tomando antidepressivos via supositório.
Eu acho que as pessoas deviam fazer um pacto de solidariedade e nunca mais perguntar o que os outros planejam para o Reveillon. Pra mim esse é o verdadeiro sentido de Confraternização Universal - o dia em que as pessoas do mundo inteiro ficam livres de dar satisfações da própria vida. Até porque, a maioria delas não está satisfeita com o ano que passou. Ao contrário, quase todas se sentem sozinhas, frustradas ou simplesmente entediadas à espera de que algo aconteça no ano que vai nascer.
Mas, sem dúvida nenhuma, a razão que mais me irrita é aquele maldito midnight kiss de que as pessoas tanto falam e que eu nunca, nunca, nunca recebi. Nunca. É engraçado como eu já fiz coisas completamente malucas, mas não experimentei as mais singelas, como ser a namorada de alguém ou receber um beijo na virada do Ano Novo.
Neste ano, por duas vezes, eu acreditei que pudesse ter as duas coisas.
Mas não aconteceu.
Por outro lado, como tantas outras extravagâncias que me acontecem, recebi um convite para uma festa temática dos anos quarenta em um casarão na serra. Só que o RSVP deveria ser dado até o dia quinze. E eu não conseguia responder.
Porque no instante em que eu soubesse onde estaria no Ano Novo, automaticamente saberia onde eu não iria estar. E talvez eu quisesse estar nesse lugar.
Mas no dia quinze este blog completou um ano. E eu sei que apesar de tudo parecer igual, muita coisa mudou. Quando me dei conta disso, soube exatamente o que eu tinha que fazer. (ATENÇÃO: se você for um homem heterossexual, pule o próximo parágrafo e vá até a seção "EXTRAS DO POST".)
Abri o armário, separei uma saia lápis preta, uma blusinha rosa de botões e babados, um sapato peep toe nude (tá, eu falei nude, mas a verdade é que ele é bege ou creme ou uma dessas cores que habitam o guarda-roupas da sua avó) e saí coletando acessórios.
Uma vez escolhida a roupa, não foi tão difícil dar o próximo passo.
RSVP. E enviar.
No dia 31, eu não sei se vou ganhar um midnight kiss, mas vou festejar como se fosse 1949. E, talvez, quem sabe, 1950 seja o meu ano.

LIZA MINNELLI em 72, mas com carinha de 63.

ACESSÓRIOS. Ainda queria umas luvinhas...


EXTRAS DO POST

Versão alternativa para homens heterossexuais:

(...)Mas no dia quinze este blog completou um ano. E eu sei que apesar de tudo parecer igual, muita coisa mudou. Quando me dei conta disso, soube exatamente o que eu tinha que fazer.
Chamei minhas melhores amigas Rê e Lu para uma festa do pijama, enchemos a cara de vinho, ficamos só de calcinha e fizemos guerra de travesseiro por horas. Em câmera lenta. Deve ser por isso que durou horas.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Da Série: Rapidinhas da Psicótica


"Rua Mena Barreto, por favor", disse, ao entrar no táxi.
"Ok, então eu vou entrar na Paulo Barreto", o motorista avisou.
"Não, não. Mena Barreto", corrigi.
"Eu sei. Mas pra chegar na Mena Barreto eu tenho que pegar a Paulo Barreto", ele explicou.
"Caraca, a família Barreto comprou todas as ruas de Botafogo?"
O taxista riu.
"Quando eu for rica, vou fazer o mesmo", disse. "Mas em vez do meu sobrenome, vou colocar nomes de coisas escrotas, só de sacanagem."
Ele riu outra vez, enquanto eu prosseguia com as elucubrações. "Diz aí a coisa mais escrota que você pensar", pedi.
O homem, que devia ter uns 40 anos, refletiu por alguns segundos e concluiu. "Cu."
Ainda transtornada com a resposta, levei alguns instantes para me recompor. "Desculpa, você disse cu? Tipo...Rua Cu?", perguntei, ainda sem acreditar. "Cu é a coisa mais escrota que você poderia pensar?", questionei. "Nossa. Eu devia te apresentar pros caras com quem eu saio. Eles tendem a pensar um pouco diferente..."
E, novamente, ele se pôs a rir - enquanto eu fiquei quieta com cara de rua escrota.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Queen of Hearts


Eu estava saindo do trabalho com dois colegas quando comentei sobre o novo DVD de Natal da Xuxa. "Ela tá usando um terninho branco. Um terninho branco!", repeti. "Quando ela descia de uma nave usando roupas excêntricas, as crianças se impressionavam. Mas agora ela é só uma senhora num terninho branco."
Meus colegas se entreolharam.
"Se pelo menos ainda tivesse o Dengue ou o Praga...", pensei alto.
"Você não devia dizer essas coisas, Natalia", um dos colegas me alertou. "Nunca se sabe quem pode estar ouvindo".
"Ah, qual é, gente?!", rebati. "Não é como se existisse um dispositivo que fosse ativado toda vez que alguém falasse mal da Xuxa", completei, olhando para a câmera de segurança da portaria.

CORTA PARA:
Sala de controle.
Alarme dispara e vemos uma luz vermelha piscando continuamente. No monitor, há um mapa com uma seta apontando uma localização específica.

Na manhã seguinte, eu estava abrindo a porta da redação com um copo de café em uma mão e a chave da sala na outra, quando me deparei com uma visita inusitada.
"Chegou aos meus ouvidos que você não gosta muito da minha roupa", a pessoa disse, girando a cadeira na minha direção.
Ainda com sono, tive uma certa dificuldade de assimilar que estava de frente pra Xuxa. Ela estava de óculos escuros, pernas cruzadas e vestia um terninho branco.
"E então? Você tem alguma ideia melhor pra me dar?", ela perguntou, tirando os óculos. "Tenho certeza de que você terá ótimas sugestões. Afinal, você é figurinista, né?"
"Na verdade, eu sou roteirista", corrigi.
"Eu sei". Ela disse, mordiscando a haste dos óculos. "Eu estava sendo sarcástica."
"Ah", soltei, constrangida. "Deve ter sido algum engano, eu nunca falaria mal de você."
"É mesmo?", perguntou, juntando as mãos sobre o queixo. "Então você não vai se importar se eu der uma olhada nas imagens de segurança do prédio...", disse, enquanto ligava o DVD.
"Mas agora ela é só uma senhora num terninho branco", eu dizia, na gravação.
"Essas imagens estão péssimas, você não pode provar que sou eu", aleguei, enquanto o vídeo prosseguia.
"...Você não devia dizer essas coisas, Natalia", dizia meu colega, na gravação, enquanto a Xuxa me encarava, impassível.
"Tá, ok, sou eu", confessei, sem aguentar a pressão. "O que eu posso fazer pra me redimir?"
Ela pausou o vídeo e se inclinou para frente. "Se ajoelhe e me chame de Rainha.”
Eu ri, a princípio. Depois percebi que ela não estava brincando.
"Quê?", perguntei, confirmando.
"Você ouviu. Se ajoelhe perante mim, súdita."
"Eu... tenho quase 1,80 de altura. Eu não sou exatamente seu público alvo."
Ela permaneceu impassível.
"Porque você é a Rainha dos Baixinhos e tal..." - tentei explicar.
"Você se acha engraçada, Natalia?"
Pensei por alguns segundos e concluí. "Não.”
"E então? Você vai ou não me aceitar como sua Rainha?"
"Eu não sei...", respondi, confusa. "Tudo bem se a resposta for não?"
Ela se afastou um pouco e respirou fundo, como se estivesse pensando no próximo passo. "Você acha que eu gosto de fazer isso? Você acha que eu queria estar aqui?", ela perguntou. "Eu tenho uma mansão com um lago. E um mini-zoológico. E um restaurante japonês”, ela encadeava. “Você gosta de Hot Philadelphia, Natalia?”
"Amm...sim.”
"É só dizer que eu sou sua Rainha e você poderá comer quantos Hot Philadelphias quiser.”
“Tentador...mas não, obrigada.”
“Isso não vai ficar assim", ela disse. “Eu tenho vinte e cinco anos de carreira. Não vai ser uma garotinha presunçosa que vai me desafiar.” Em seguida, levantou-se e andou até a porta. "Ninguém diz não à Rainha."
"Nossa, que baixo astral, Xuxa. Pensei que você fosse contra."
Ela ficou parada por alguns instantes.
"Sério? Você realmente trabalha com humor?", questionou. "Eu vou ligar pro seu chefe e perguntar se esse é o tipo de gente hilária que ele contrata."
Depois ela colocou os óculos escuros de volta e se foi.

Ainda naquele dia, coisas estranhas começaram a acontecer. Ao sair do trabalho, pedi para segurarem o elevador, mas ninguém se moveu enquanto a porta se fechava. Nenhum ônibus ou táxi parou pra mim. E quando eu fui comprar um cachorro-quente, o cara do carrinho disse que tinha acabado de vender o último – o que eu achei bastante estranho, porque todo mundo sabe que aqueles cachorros-quentes são infinitos.
Na manhã seguinte, entrei na internet e descobri que não tinha mais amigos no Orkut nem no Facebook. No meu Twitter, não havia restado sequer um seguidor. E, pra piorar, alguém tinha cortado meu telefone. Provavelmente porque eu não tinha pago a conta.
Foi aí que eu percebi que tudo fazia parte de uma conspiração para me banir da sociedade. Uma sociedade claramente regida pelo sistema monárquico. Eu havia rejeitado a Rainha. E isso implicava em consequências drásticas.
“Ela está tentando mostrar quem é que manda, mas eu não vou me render assim tão fácil”, disse aos meus colegas, que permaneceram em silêncio, me encarando como se eu fosse uma espécie de lunática. "Ela pode ser a Rainha, mas eu sou uma psicótica. Essa senhora de terninho branco não sabe com quem está lidando”, concluí, com olhar vidrado no horizonte.
“Natalia...”
“Sim?”, perguntei, ainda com o olhar vidrado no horizonte.
“Você andou bebendo?”
“Sim, mas essa não é a questão”, tentei explicar. “Nós estamos diante de uma conspiração. E se vocês não fizerem nada pra impedir, vocês serão cúmplices”, declarei, me dirigindo à rua, onde comecei a abordar estranhos e abrir seus olhos para aquela realidade cruel.
Foi quando um mendigo se aproximou e disse que precisava me contar uma coisa importante. Eu disse que estava sem trocado e mandei ele sair. Mas ele insistiu, então eu tirei algumas moedas do bolso, junto com um Trident que devia estar ali há semanas, e entreguei na mão dele.
“Eu não quero seu dinheiro, pode pegar de volta”, ele disse. “Só deixa o Trident que eu não escovo os dentes há dois meses.”
“O que você quer?”
“Você acha que eu sou só um mendigo, um vagabundo?”, perguntou. “Eu costumava ser jornalista. Era um jovem promissor. Até que um dia eu escrevi uma crítica negativa sobre ‘Lua de Cristal’ e, quando dei por mim, estava escovando os dentes com Trident velho...”
“Meu deus”, soltei, em choque. “Ela é um monstro”, completei. “Vocês ouviram o que esse mendigo nojento disse? Alguém precisa fazer alguma coisa!”
Foi nesse momento que um carro preto de vidro fumê parou na esquina e eu fui sequestrada por dois sujeitos estranhos que usavam meias para cobrir o rosto.
Eles me levaram até uma sala escura, me amarraram numa cadeira e ficaram tentando me assustar, fazendo vozes malucas.
“Escuta, eu sei que vocês são o Dengue e o Praga”, avisei.
“Droga!”, gritou Praga, tirando a meia. “Eu disse que a gente precisava de um disfarce melhor, mas nããão, só uma meia resolve, ela nuuunca vai nos reconhecer... ”
“Eu não disse meia. Eu disse óculos. Óculos. Igual ao Clark Kent”, explicou.
“Você é um idiota, Dengue.”
“Então, gente”, interrompi. “Alguém vai me dizer qual é a boa?”
“Qual é a boa?”, repetiu Praga. “Eu vou te dizer qual é a boa. A boa é você parar com esse motim contra a Rainha! Você não percebe que é inútil? Ninguém nunca foi nem nunca será capaz de tirá-la do trono”, ele completou, enquanto eu não pude conter o riso.
“Ela tá rindo da gente, Praga.”
“Desculpa”, disse, rindo ainda mais. “É que o jeito como você disse que ela não vai sair do trono...”
“Qual é a graça?”, perguntou Praga, intrigado.
“Você sabe... o trono....”, tentei falar, quase sem fôlego de tanto rir. “É como se ela estivesse com uma dor de barriga eterna...”
Os dois se entreolharam, sérios.
“Eu pensei que ela trabalhasse com comédia”, disse Dengue.
“Foi o que me disseram...”
“Ei, eu ouvi isso”, reclamei.
“Já chega, garota”, disse Praga, impaciente. “Se você prefere o caminho mais difícil, a gente vai te dar o caminho mais difícil”, avisou, enquanto ligava um telão. “Espero que você se divirta.”
E deu play:
"Cinco patinhos foram passear, além das montanhas para brincar. A mamãe gritou: quá, quá, quá, quá. Mas só quatro patinhos voltaram de lá..."
“Bom, essa é uma mãe bastante irresponsável”, afirmei.
“Vamos ver se você vai continuar tão espirituosa quando a gente voltar”, desafiou Praga. “Daqui a seis horas.”

CORTA PARA:
Seis horas depois.
“Cinco mil patinhos foram passear, além das montanhas para brincar. A mamãe gritou: quá, quá, quá, quá. Mas todos os patinhos tinham virado foie gras”, eu cantava, enquanto o Dengue e o Praga retornavam à sala.
“Estou vendo que você aprendeu a música direitinho”, disse o Praga. “E então? Pronta para aceitar a Rainha no seu coração?”
“Oitocentos milhões de patinhos foram passear...”
“Praga, eu acho que ela ficou aqui tempo demais. A gente fritou a cabeça dela!”
“Ela está blefando!”, o Praga acusou. “Chega dessa palhaçada! Responde de uma vez! A Xuxa é ou não é a sua Rainha?”
“Quá, quá, quá, quá”, respondi.
“Ah, é? Você quer jogar? Então vamos ver se a Jack Bauer vai resistir a mais seis horas de patinhos...”, Praga esbravejou, dirigindo-se à porta.
“Não, espera”, eu disse. “Eu desisto. Eu aceito a Xuxa como a minha rainha!”
Os dois sorriram, orgulhosos, e já estavam a ponto de me soltar da cadeira.
“NOT!”, completei, só de sacanagem.
“Ninguém nunca aguentou por tanto tempo, Praga. Não há mais o que fazer!”
“Idiotas”, disse a loira de terninho branco que adentrava a sala escura. “Deixem essa aí comigo, seus incompetentes”, ordenou, puxando uma cadeira para perto de mim e sentando-se como uma detetive durona, com o encosto virado para frente. “Como vai a minha baixinha preferida?”
“Eu não sou mais baixinha desde a primeira série.”
“Não seja boba. Pra mim você sempre será uma baixinha.”
“Como quiser, Xuxa...”
“Por que você não me chama de Xu?”, propôs. “Sabe, Natalia, eu conheço o seu tipo. Espichou rápido, era a mais alta da turma, desajeitada... excluída”, lançou, enquanto puxava um fio solto da manga do terninho branco. “Você queria ir ao Xou da Xuxa, mas ninguém nunca te levou. Você queria ser Paquita, mas não era loira, nem bonita, nem popular, não é mesmo, Natalia?”, ela disse, enquanto meus olhos se enchiam de lágrima. “E eu aposto que você colecionava os meus discos”.
“Eu tinha todos, Xuxa!”
“Xu.”
“Eu tinha todos, Xu!”, corrigi. “Mas quando eu fiz dez anos, meu padrasto jogou tudo fora. Ele disse que eu já estava grande demais pra gostar de você. E isso foi traumático”, expliquei, aos prantos.
“Pronto, pronto, vem cá”, ela disse, enquanto me abraçava e dava tapinhas nas minhas costas.
“Eu te amo, Xu. Você é a minha Rainha”, finalmente declarei.
“Gravou isso, Praga?”, ela perguntou, em tom sóbrio.
“Tá tudo aqui”, ele respondeu, mostrando o gravador.
“Ok, querida. Já deu, né? Chega de abraço. A Xuxa tem que ir embora”, disse, tentando se desvencilhar. “Vamos lá? Vamos soltar a Xuxa?”
Então eu soltei, contra a minha vontade. Mas antes mesmo que ela saísse, eu a chamei de volta.
“Xu, faz a pergunta”, pedi.
Ela parou e me olhou, sem entender. “Que pergunta?”
“Você sabe, a pergunta”, insisti, sorrindo.
Ao entender, ela revirou os olhos e soltou um suspiro entediado. “Quer mandar um beijo pra quem?”, perguntou, sem o menor entusiasmo.
“Pro meu pai, pra minha mãe e especialmente pra você, Xu!”, respondi, eufórica.
Depois ela se virou e foi embora, reclamando com o Dengue e o Praga. “Vinte e cinco anos e eles ainda me pedem a mesma coisa...”
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, disse Praga. “A propósito, o que você vai fazer mais tarde?”
“Praga, desiste. Eu não vou sair com você...”

Por alguma razão, eles me esqueceram amarrada na cadeira com o telão ligado. Depois de alguns minutos com o menu inativo, o disco começou a rodar automaticamente. Levou mais seis horas para que alguém me encontrasse.


XUXA, antes de entrar pra Realeza. (Que Sera Sera - Doris Day)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Da Série: Piores Encontros do Universo


2 - O Cara que Gostava de Correr

Sabe quando você conhece alguém e percebe, logo de cara, que as coisas vão funcionar? A conversa flui sem esforço, os dois se divertem juntos, o beijo é ótimo e todo o resto também... Mas aí não dá certo e você tem que voltar para o mercado, arrastando o sari com o rabinho entre as pernas, à procura de uma nova pessoa, sabe?
Eu sei. Não foi à toa que me auto-intitulei "Rainha dos Primeiros Encontros". Se achar um cara interessante fosse fácil como fazer compras, eu não estaria aqui escrevendo neste blog à uma da manhã.
Pra ser bem sincera, não é mole se aventurar nesse mercado. Ao contrário, é extremamente exaustivo. Toda vez que você retorna, tem sempre aquela sensação de "ai, não, tudo outra vez". Toda aquela rotina de flertar, trocar telefones, combinar de sair... E quando vocês finalmente se encontram, ainda têm que passar por aquela conversinha preliminar, contando o que fazem, onde trabalham, onde estudaram....zzzZZZzzz... Oi? Perdi alguma coisa?
Sem contar com as piadinhas. Sim, porque você quer ser divertida, engraçada, inteligente. Aaaahh! Desculpa, mas haja saco! Ninguém merece passar por isso mais de duas vezes por ano. E, mesmo assim, eu sou a "Rainha dos Primeiros Encontros". O que significa que realizo essa pequena rotina quase toda semana. É como se o barzinho se transformasse num circo dos horrores, enquanto eu fico ali fazendo meu número no picadeiro.
"Você faz o que mesmo?", pergunto.
"Sou administrador", ele responde, enquanto eu me esforço para não parecer muito entediada.
"E o que você faz normalmente?", pergunto outra vez, tentando mostrar interesse.
"Ah, deixa pra lá, meu trabalho é chato".
Graças a deus, penso. "Não, fala, eu fiquei curiosa", insisto, na esperança de que ele mantenha a decisão de não me contar.
"Então tá, depois não diz que eu não avisei... Bom, normalmente, eu fico responsável pelo setor de finanças..."
Zzzzzzzzzzz...
E enquanto ele fala, meu olhar se fixa no casal da mesa ao lado. Mais precisamente nos dedos da moça, que tamborilam impacientes sobre o vidro, provocando um som hipnótico. Olho para ela e percebo que seu olhar também está perdido. Mas quando ela me vê, eu fico desconcertada e volto a prestar atenção no que o cara em frente a mim está falando.
"... mas o que eu gosto mesmo é de correr!".
"Desculpa, correr de quem?"
"Não, correr só por correr."
"Por que alguém faria isso?"
"É ótimo, você devia experimentar".
"Eu tentei. Por um ou dois...minutos", explico. "Mas aí eu pensei: eu tô correndo pra onde, meu deus? Qual o propósito disso? Foi aí que eu parei, dei a volta e fui comer um cachorro-quente."
"Cachorro-quente?"
"É. Foi ótimo saber exatamente pra onde eu estava indo. Você devia experimentar."
Silêncio.
"Bom, eu corro todos os dias", ele insiste. "Eu corri ontem, corri hoje, amanhã eu vou correr, sábado eu vou correr... E domingo..."
"...Você vai correr...", completo.
"Não", ele responde num tom de desdém, como se eu tivesse dito alguma coisa absurda. "Domingo eu vou andar de kart."
O que caralhos eu estou fazendo aqui?, penso, enquanto me vejo repetindo o gesto da moça da mesa ao lado. Ok, eu estou aqui porque ele é extremamente gato. E dez centímetros mais alto do que eu. Dez! Concentra nisso.
"As meninas do trabalho adoraram seu blog", ele muda de assunto. Finalmente um assunto interessante.
"E você, gostou?", arrisco.
"Não", ele responde, na lata. "Achei meio mulherzinha, não é muito meu tipo de humor não."
Jura? Qual é o seu tipo de humor? Correr? Correr com uma perna só?, penso, dando uma leve entortada na boca.
"Você tem uma boquinha linda, sabia?", ele diz.
"Ah, é", pergunto, indiferente. Então leia meus lábios: não me liga NUNCA MAIS. Depois invento uma desculpa qualquer e vou embora cedo.

Após uma certa idade, as pessoas não saem mais por aí fazendo novas amizades. Elas meio que sossegam com os amigos que fizeram até então. Porque ninguém tem mais saco de ficar cativando gente, desculpa, Saint-Exupéry. A vida é muito corrida, o tempo é curto e, quando dá, nós saímos com quem já temos afinidade e nos sentimos confortáveis. Alguém com quem temos uma história, que nos conhece e que conhecemos bem.
Queria que essa lógica também se aplicasse aos relacionamentos amorosos, mas, infelizmente, não é assim que funciona. No que concerne a esse campo, é preciso, de tempos em tempos, começar tudo outra vez e conhecer gente nova.
No meu caso, como "Rainha dos Primeiros Encontros", eu ainda devo fazer isso mais algumas vezes até dar a sorte de encontrar alguém e perceber logo de cara que as coisas vão funcionar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Radar Psicótico


Gostaria de agradecer ao site Radar55 e à jornalista Maria Clara Drummond, que escreveu uma matéria super legal sobre o Adorável Psicose.
Eu fiquei tão animada que saí mostrando pra todo mundo, inclusive para o taxista, que não pareceu muito interessado - especialmente quando eu coloquei o celular na frente dele, enquanto ele estava dirigindo.
Ó a matéria --->aqui<---.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Leia Minhas Mãos


Se você quiser saber como anda minha vida afetiva, basta analisar o estado das minhas unhas. Não adianta checar meu status no Facebook, procurar por recados suspeitos ou pistas escondidas pelos posts deste blog. Tudo o que você precisa para saber se eu estou ou não saindo com alguém interessante é dar uma boa olhada para minhas mãos.
Quando minha vida afetiva vai bem, eu me transformo numa pessoa extremamente religiosa, que reafirma sua fé toda semana em um templo sagrado chamado Salão. A Manicure é minha pastora e nenhum esmalte me faltará. Especialmente toda a gama de tons vermelhos já produzida pela indústria dos esmaltes - se é que posso chamá-la dessa forma. Particularmente, prefiro imaginar pequenos seres coloridos trabalhando em uma fábrica mágica que proporciona beleza e polimento às unhas das mulheres. E das drag queens. E de alguns supostos heterossexuais que passam base incolor e secretamente desejam o Humberto Martins.
Uma vez por semana, eu me sento diante da minha manicure, estendo minhas mãos e clamo apenas por:"Vermelho", ao que o Oráculo pergunta: "Vermelho Inveja, Vermelho Paixão, Fogo Sensual, Amor Intenso...?" Acho que o gerente do departamento de criação de nomes deve ser uma bicha muito mala. Tipo no urologista, quando perguntado sobre a coloração da sua urina: "Dourado Festivo, doutor. Com uma camada de Caramelo Queimado."
Quando eu estou feliz, afetivamente falando, minhas unhas estão sempre grandes e pintadas de vermelho. Não sei por que, é uma coisa que eu faço inconscientemente. Um processo natural. E quando estou mais ou menos feliz, minhas unhas também ficam mais ou menos legais. Continuo frequentando a manicure, mas não com o mesmo rigor. Minhas unhas ficam sempre curtas e eu troco o vermelho por tons rosados, clarinhos.
Agora, se eu não contasse o que eu estou a ponto de contar, você provavelmente nunca seria capaz de perceber quando minha vida afetiva está uma droga. Porque quando isso acontece, eu não costumo deixar transparecer - ao menos não visualmente. Não fico desleixada, largada, descabelada. Ao contrário, geralmente meu guarda-roupa recebe novas aquisições. Muitas novas aquisições.
Quando tudo vai mal, eu tendo a apurar ainda mais meu gosto por sapatos. Viro especialista em bolsas e lingerie. Uma verdadeira connoisseur da arte de gastar metade do meu salário em roupas.

Dizem que quando você está apaixonada, você fica radiante. Deve ser por isso que inventaram a base iluminadora. Para todos os outros dias do ano, em que você se sente um lixo.
Munida de roupas novas, cachos jeitosinhos e bochechas discretamente coradas de blush, fica um pouco mais difícil perceber que a minha vida afetiva está patética.
A única falha nesse conjunto todo, o elo fraco que põe a farsa inteira em risco, são as minhas unhas. Você pode passar o olho por mim e não perceber indício algum de uma vida afetiva pouco satisfatória, exceto se dedicar alguns segundos para uma rápida análise das minhas unhas.
Se estiverem curtíssimas, com cutículas por fazer e sem esmalte nenhum, já era. O resultado será dado com 99,9% de precisão: fase ruim, sem perspectiva de melhora. Porque quando tem perspectiva, a gente ainda tenta dar um jeitinho. Mas quando não tem, chuta o balde mesmo. Eu, por exemplo, ataco os cantinhos das unhas com a mesma voracidade que os supostos heterossexuais gostariam de atacar o peitoral cabeludo de Humberto Martins.
Para mim, as unhas são válvulas de escape. A única forma que eu tenho de expressar meu descontentamento com a conjuntura do Universo. Todo o resto eu deixo muito bem camuflado.
Nunca saio de casa desarrumada. Porque a Lei de Murphy é a única lei no mundo que é invariavelmente cumprida. E eu sei que o dia em que eu sair para a rua de qualquer jeito vai ser o dia em que vou subir no primeiro ônibus que passar e encontrar todos os meus ex agarrando mulheres lindas. Ou pior, namorando mulheres lindas. Todos ali, juntos, na caravana do amor. E eu igual a uma babaca, toda de qualquer jeito. Ah, não!
Algumas mulheres param de pentear os cabelos, outras param de se depilar. Eu não. Eu só deixo de fazer as unhas - o que, vamos combinar, é dos males o menor.
É claro que, tendo feito tamanha revelação, eu começo a reconsiderar a ideia de dividi-la com o resto do mundo. Não que o mundo todo esteja lendo o meu blog, não sou tão pretensiosa assim - embora tenha visto no contador IPs de Portugal e da Espanha. Me senti super Novo Mundo na época da Expansão Marítima. Briguem por mim, me dividam em duas partes obviamente desiguais.
A partir de agora, quando a gente se encontrar, a primeira coisa que você vai fazer é reparar nas minhas unhas. Se não estiverem feitas, paciência. Eu ainda estarei arrumada, com lingerie nova e base iluminadora. E ninguém, ninguém pode sentir pena de uma mulher com uma bolsa Chanel. Ainda que seja só uma boa imitação.


MÚSICA DA SEMANA, The Calculation - Regina Spektor
 
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