natalia

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Psicose Reflexiva 3 - Confrontações


Ok, eu admito. Confrontação não é meu forte. Talvez por isso tenha escolhido escrever como profissão. Quando você escreve, a única confrontação que existe é entre você e uma folha de papel em branco (ou, no caso, uma tela de computador em branco). E papel aceita tudo. Não discute, não argumenta, não te contradiz. Com isso eu sei lidar, disso eu entendo alguma coisa. Mas quando se trata de pessoas, tudo muda.
Para vocês terem uma idéia, já faz 1 ano que eu tento me livrar da minha analista. Por coincidência, também já faz 1 ano que eu frequento a analista.
Já usei todas as desculpas possíveis: falta de tempo, falta de dinheiro, localização geográfica pouco conveniente, tudo. Mas a mulher sempre vem com uma solução para os problemas que eu levanto. Ela é uma espécie de Mister M da psicanálise, desmascarando meus truques, revelando meus artifícios. Maldita paladina freudiana.
Mas outro dia eu perdi a paciência. Fui direta e disse que a partir daquele momento não iria mais frequentar as sessões de terapia. Estava decidida e nada me faria mudar de idéia. Disse isso tudo, de maneira implacável. E depois cliquei em "enviar".
Sim, eu fiz isso. Eu terminei por e-mail.
Não sou boa em confrontações. Pra mim é simplesmente inconcebível sentar de frente para essa mulher e dizer que a terapia não está funcionando. Que ela não está conseguindo me ajudar. Que eu quero procurar outra pessoa.
Ela chegou a sugerir que marcássemos uma consulta para discutirmos minha decisão juntas. Mas pra mim isso não faz o menor sentido. Eu não quero continuar! Por que diabos vou pagar uma sessão pra dizer isso a ela pessoalmente?
Uma amiga minha chamada - digamos - Bete, estava saindo com o - vamos dizer - Orlando. Apesar de estar tudo bem entre os dois, alguns detalhes sobre o modus operandi de Orlando fizeram Bete perceber que ele não estava - aproveitando o ensejo - tão a fim dela. Orlando sugeriu os dois conversassem, mas Bete preferiu fugir.
O motivo que levou Bete a evitar a conversa com Orlando foi parecido com o que me levou a terminar a análise por e-mail. A Bete sabia onde aquela conversa iria dar. Com ou sem diálogo, no fim das contas, o resultado seria o mesmo. Confrontar Orlando e expor seus sentimentos não mudaria em nada o quadro geral. Então por que, por que a Bete se daria ao trabalho de escolher uma roupa, arrumar o cabelo, passar lápis no olho de maneira simétrica só para se sentar diante de Orlando e ouvir dele tudo que ela já sabia? Que tipo de masoquista faria uma coisa dessas?
Não sou boa em confrontações. Mas escrever sempre foi um ofício confortável. O papel não diz o que você não quer ouvir. Ele não te decepciona, não se fecha, não diz não. Diferente das pessoas, ele está sempre pronto, sempre disponível. E você nem precisa usar maquiagem. Assim como ele, tudo o que você precisa fazer é se apresentar de cara limpa. Et voilà!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Ministério da Psicose Adverte


Este é um blog autobiográfico de ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido proposital, embora não haja nenhuma garantia sobre a veracidade das informações aqui contidas.
Levar esses textos a sério causa impotência sexual.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Corta o Rabo Dela, Pisa em Cima, Bate Nela (parte 1)


Estava na fila do cinema, sozinha. Não que eu tenha problemas em ir ao cinema sozinha (tá, mentira, eu tenho), só acho detestável estar sozinha na fila. É terrível ser mulher nessas horas. Nessas e quando você precisa fazer xixi num local ermo. Porque se você fosse homem, mijaria num canto qualquer e pronto, resolvido. E se eu fosse um homem sozinho na fila, as menininhas olhariam pra mim e me achariam misterioso. Sendo mulher, elas me olham e sentem pena.
Mas, enfim, êêê, dane-se! Danem-se todos os casaizinhos medíocres da fila do cinema. Danem-se todas as Danis e as Lus com seus "môôôs" e "beeens". Eca, prefiro ficar sozinha. (Mentira.) Eu estava ali por opção. (Mentira.) Não é como se eu não tivesse nada melhor pra fazer! (Hahaha, muita mentira!)
- Natalia? - chamou uma voz masculina.
Sim, Deus! Eu vim ao cinema sozinha!
Então eu olhei para o lado e o vi. Não era exatamente Deus, mas era praticamente uma aparição. O bonitinho por quem eu tinha uma queda no colégio. Um daqueles sujeitos intelectuaizinhos, de camisa xadrez e óculos, que vagavam pelos cantos do pátio lendo "O Manifesto Comunista". Um clichê ambulante, de tênis All Star preto.
- Você está tão diferente - ele disse. (Mentira. O que ele quis dizer foi: "Você era tão baranga e agora está tão bonitinha".)
- Você não mudou nada - rebati, dando uma boa olhada.
- Tá sozinha?
- Acho que sim. Sim. E você? (Por favor, não apareça agora uma loira peituda chamada Rebecca.)
- É, eu tava de bobeira em casa e resolvi ver alguma coisa.
- O que você vai ver? - perguntei aliviada.
- "Che" - clichezão. - E você?
- Também! (Mentira deslavada. Eu ia ver "Delírios de Consumo de Becky Bloom".)
- Ah, é?
- É!! Por quê?? Alguém disse que eu não ia?? - perguntei, olhando pros lados.
- Não... - respondeu, estranhando minha reação. - Que coincidência!
Forcei um sorriso e comecei a mentalizar: sessão esgotada, sessão esgotada, sessão esgotada...
- Ih, a sessão tá esgotada - ele avisou, ao olhar para o painel.
Graças a Deus!
- Ah, que pena...
- Tô indo encontrar uns amigos num bar, quer vir? - propôs.
- Pode ser. (Mentira. Eu não queria.)
Provavelmente, ele seria chatinho e sem graça. Riria de um jeito estranho ou acumularia uma babinha escrota nos cantos da boca. De repente, eu notaria que suas sobrancelhas eram muito juntas ou seus dentes eram muito separados (ou os dois ao mesmo tempo, numa combinação intrigante e hipnótica).
- Eu iria, mas tenho que trabalhar cedo amanhã - respondi.
(Mentira, claro.)
Nos despedimos e ele se foi, por fim.

(Continua...)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Da Série: Rapidinhas da Psicótica


Então eu entro na seção de eletrônicos e pergunto ao vendedor o preço do aparelho de som, ao que ele me responde, com a maior naturalidade:
- Esse aí tá na promoção, custa só um meia nove.
Perplexa, levei alguns segundos para falar novamente:
- Desculpa, eu não entendi, qual é o preço?
- Um meia nove, senhora - repetiu, apontando para a etiqueta de R$169,00 afixada no aparelho de som. - E a senhora pode pagar em até três vezes.
Como qualquer cliente e ser humano mulher faria, dei um tapa na cara daquele sujeito safado sem-vergonha.
- Diga isso ao seu gerente de marketing! - ordenei, altiva.
E saí, com a honra intacta.

domingo, 5 de abril de 2009

Nevermore


Nesses últimos dias, acabei confirmando uma velha suspeita: a de que eu escrevo mais quando estou insatisfeita com a conjuntura do universo.
Depois de ser chamada de pudica e autocentrada , terminei a semana tendo que lidar com a Síndrome de Mestre dos Magos dos outros.
Pra quem não sabe, a SMM é um problema sério que atinge 98,8% da população masculina do mundo. Ela se manifesta em intervalos não regulares e suas causas permanecem indefinidas. Os primeiros sintomas surgem logo no começo da semana e se agravam na sexta-feira, podendo ou não se estender até domingo. O sintoma mais característico é o déficit do coeficiente de presença que, em seu estágio mais avançado, pode chegar à invisibilidade total.
Para não ser uma vítima passiva dessa síndrome - que alcança o auge do incômodo no sábado à noite -decidi sair para beber com um grupo de amigos.
Mesa grande, mas acolhedora. Apenas rostos familiares. Onze lugares. Ou, em boa matemática, cinco casais e eu. Joinha.
Mas decidi ignorar o caráter ímpar da reunião. Devia ter sido a única a perceber, as pessoas tinham mais o que pensar, claro. Já disse que não sou autocentrada.
- Olha, só tem casal na mesa! - concluiu precipitadamente um dos convivas, enquanto seu olhar percorria as cadeiras - Ah, menos a Natalia!
Pausa.
Esse é um daqueles momentos da vida que só podem ser definidos pela junção de três palavras: tá-de-sacanagem. Nada mais.
Olhei para o garçom e apontei para a garrafa de guaraná vazia a minha frente. Ele fez que entendeu e entrou no bar. Mas em vez de voltar com meu refrigerante, ele apareceu com mais duas garrafas de cerveja.
Novamente, olhei para o garçom e apontei para a a garrafa de guaraná. E novamente ele demonstrou ter entendido o que eu queria.
Imaginem a minha surpresa quando ele saiu com bebidas para as mesas ao lado! Como se todo mundo merecesse ser servido, menos eu!
- Ei! Ei! - chamei - Por que você não trouxe meu guaraná?
- Ué, você pediu?
- Sim, eu pedi! Eu fiz assim, te mostrei - disse, apontando para a garrafa.
- Então você não pediu, você apontou.
- Dá no mesmo! Se eu tô apontando é porque eu quero, óbvio!
- Discordo.
- Discorda? Como assim discorda? Você não acha que ficou subentendido?
- Sim, minha querida, mas eu não posso operar pelo subentendido. Se você não virar pra mim e falar o que você quer, eu não vou ficar supondo.
- Olha só, meu querido, não vem dar uma de esperto pra cima de mim não, tá! Você sabe muito bem que eu queria esse guaraná, não tenta inverter a situação! - esbravejei, enquanto ele me olhava um pouco assustado - Sabe o que você é? Você é um vacilão! Seu vacilão!
- Eu posso trazer o guaraná agora.
- Agora eu não quero mais. Vacilão! Tá achando o quê? Eu consigo guaraná em qualquer esquina! Tá cheio de garçom por aí querendo me servir! Eu sou a rainha do guaraná!
(silêncio geral)
- Esquece, só traz uma cerveja - concluí.
*
Não falo com portadores da Síndrome de Mestre dos Magos. Sou preconceituosa. Mas se pudesse, mandaria um corvo treinado para a porta dos seus quartos, ao cair da madrugada, para que ele dissesse em alto e bom som, "Nevermore".

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Receita de Crème Brûlée


Ingredientes
8 gemas de ovos
200g de açúcar refinado
Essência de baunilha
1L de creme de leite fresco
Açúcar cristal para a cobertura de caramelo

Modo de Preparo
Misture as gemas, o açúcar refinado, a baunilha e acrescente o creme de leite à mistura e misture até obter um creme homogêneo
Leve o creme ao fogo em banho maria e mexa até que o creme forme uma fina camada na colher
Distribua o creme em seis tigelinhas, você pode usar uma peneira para tirar possíveis bolinhas que podem ter se formado
Deixe o creme na geladeira por pelo menos 5 horas
Coloque açúcar cristal sobre cada tigela e aqueça para formar o caramelo, o ideal é usar um maçarico culinário para dar a consistência ideal do Crème Brulée

Aleluia, Irmã!


Às vezes me distraio terrivelmente enquanto converso com as pessoas. Chamo isso de "efeito máquina caça-níquel". Pouco a pouco, a cara do interlocutor se transforma em três bobinas gigantes que giram sem parar. A partir daí não consigo assimilar mais nada, apenas sorrio de maneira contida e eventualmente dou umas sacudidas na cabeça.
Pode ocorrer, entretanto, do sujeito dizer alguma palavra-chave que me chame a atenção. Nesse caso, é como se alguém puxasse uma alavanca e as bobinas parassem imediatamente em cereja - cereja - cereja! Ou, no caso, em "Natalia, você é muito pudica".
(Pausa para assimilação)
- Desculpa, eu sou o quê?
- Pudica! Você é muito virginal!
(Nova pausa para assimilação)
- Não sou não!
- Nossa relação foi totalmente platônica, a gente nunca fez nada.
Então alguém aqui está confundindo não sentir atração com ser pudica.
- Eu não sou pudica.
- Tudo bem se você for. Fica bonitinho em você - ele disse, saindo.
- Eu não sou!
Droga! É o começo da faculdade, tudo outra vez!, pensei, enquanto abria uma cerveja e começava a beber, com uma expressão facial inalterada de cenho franzido.
- Nossa, que cara é essa? - perguntou Juliana.
- Estou conjecturando.
- Credo, vai até o banheiro, pelo menos - respondeu, rindo.
- Você imagina que o você-sabe-quem veio até aqui e disse que eu era...pff...você não vai acreditar...ele chegou aqui disse que eu era...pudica?! Imagina?!
(Pausa para assimilação)
- Eu não vejo a menor necessidade da gente compartilhar esse tipo de informação...
- Eu não sou pudica!
- Tá, então você não é pudica! Pronto, resolvido!
- Mas ele vai continuar achando.
- E daí que ele vai ficar achando! Foda-se, problema sexual dele!
- Não! Problema sexual meu! Eu preciso fazer alguma coisa!
- Você não precisa fazer nada! Isso não é mais o começo da faculdade!
- Tem razão. Eu sei quem eu sou e é isso que importa. Eu não preciso provar nada pra ele!
- É isso aí!
(1...2...e...)
- DROGA, EU PRECISO, EU PRECISO! Eu vou lá agora!
- E vai fazer o quê?
- Vou ligar pra todos os caras pra quem eu já dei na minha vida...
- Todos os seis? - rebateu, sarcástica - Cuidado pra não chocar as pessoas com essa promiscuidade!
- Cala a boca! Eu vou ligar pra todos eles, colocar no viva-voz e perguntar!
- Esse é o seu plano?
- É.
- Ligar pra meia dúzia de homens à meia noite e perguntar se eles te acham pudica?
- É!
- E se eles disserem que sim?
(Longa pausa para assimilação)
- Droga! Eu preciso de outro plano! E se eu tirasse a roupa?
- Depende. Você tá usando aquela calcinha gigante?
- Não é gigante. É vintage!
- Você é tão autocentrada - declarou o sujeito que deu início a todo o alarde, numa frase que soou mais ou menos como: sete - sete - sete! (som de moedas caindo)
- Eu não sou autocentrada!
- Claro que é! Eu disse uma coisinha e agora você não consegue falar de outro assunto!
- Eu não sou autocentrada! Eu só quero que falem de mim o tempo todo!
- Você tem um blog em que todos os textos são sobre você!
- Isso não é verdade! Eu também falo sobre as pessoas que eu conheço! Você só tá ofendidinho porque nunca foi mencionado!
- Aiiii - disse Juliana, só pra participar.
- Não precisa ficar irritada...
- O quê? Vai dizer que fica bonitinho em mim também? Eu não sou autocentrada! E só pra provar, meu próximo post vai ser uma receita de crème brûlée.
Quem estiver comigo, levanta a mão e comenta "Aleluia, irmã"! Especialmente se você for um dos seis caras pra quem eu já...
- Menos, Natalia - disse Juliana, interrompendo meus devaneios.
- Ok, ok...
 
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