natalia

terça-feira, 17 de março de 2015

Desculpas sinceras*


"Desculpa se o que eu disse te ofendeu de alguma forma, não foi minha intenção", disse a uma amiga, enquanto esperávamos a comida chegar, num restaurante.
"É, você realmente me ofendeu. Que bom que você reconhece isso."
Desviei o olhar e devo ter emitido alguma espécie de som provocativo, tipo "humm" ou "ééé".
"Você reconhece que me ofendeu, não reconhece?"
"Bom, eu reconheço que você ficou ofendida."
"Impressionante!", ela exclamou, batendo com as duas mãos sobre a mesa. "Você tá pedindo desculpas e continua achando que está certa."
"Sim, ué."
"Então seu pedido não vale nada! Não vou aceitar!"
"Mas quem foi que disse que um pedido de desculpas precisa ser sincero? Pedir desculpas é um ato de diplomacia, não de sinceridade."
"Você é inacreditável, Natalia."
"Desculpa."
Ela ficou em silêncio, de braços cruzados.
"Desculpa se eu tentei ser a pessoa maior", completei.
Então ela se levantou e foi embora, ofendida.
"Mas eu sou a pessoa maior. Eu sou dez centímetros mais alta que você. Ou mais", tentei me explicar. "Desculpa! Desculpa!", gritei, em vão, sem me dar conta de que o restaurante inteiro estava prestando atenção.
"Tá bom, desculpa pra vocês também", pedi. "Mas eu vou logo avisando que não estou sendo sincera."

*Texto publicado originalmente em 03/05/2010, mas minha opinião continua a mesma.

domingo, 15 de março de 2015

A quem interessar possa


Vez por outra acontece de alguém se sentir ofendido ou magoado quando se reconhece em algum texto deste blog. Queria dizer a essas pessoas que não escrevo sobre elas ou para elas. Se assim fosse, eu utilizaria um meio de comunicação mais eficiente. Eu escrevo sobre mim e para mim.

E sempre exprimi um ponto de vista assumidamente deturpado, não a verdade universal. Meus relatos são tendenciosos e quase sempre infantis, porque textos muito maduros e bem resolvidos não têm a menor graça e não servem ao propósito de um blog intitulado “Adorável Psicose”. (Talvez quando eu começar um blog chamado "Adorável Pessoa Madura e Bem Resolvida" a gente possa voltar a essa questão.)

Se eu retrato algumas pessoas como vilões detestáveis é porque faz parte da proposta ser maniqueísta. Não posso negar que há uma faísca de verdade por trás das palavras que escolho escrever, assim como as pessoas que se sentiram incomodadas não podem negar que, no fundo, nada do que está aqui vai fazer  diferença em suas vidas.

Supervalorizar as coisas ruins pode ser considerado algo autodestrutivo, mas não lembro de ninguém ter achado ruim ou errado quando isso serviu para construir minha carreira.

Fora deste blog, meus problemas são irrelevantes. Aqui eles são a coisa mais importante do mundo. Porque eles são meus. E eu sempre ouvi dizer que é importante dar valor àquilo que nós temos.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Hãn (ou Pega meu cordão umbilical e enfia na bunda)


Eu nunca sonhei em ter grandes fortunas. Exceto uma vez ou outra quando me ocorreu que “sim, agora seria um ótimo momento para ter um helicóptero”.  Gosto de comer bem e ter algumas coisas legais, mas não uso roupas de marca, não costumo comprar artigos de luxo, não tenho carro e não frequento lugares extravagantes. Eu comecei a ganhar dinheiro relativamente cedo e tenho guardado a maior parte desde então. Sou uma boa moça de classe média.

Tendo dito isso, confesso que estou planejando um super presente de aniversário para mim mesma. Sempre vislumbrei o dia em que poderia fazer viagens maneiras, ficar em hotéis lindos e comer em lugares incríveis e agora, prestes a completar 30 anos, finalmente consegui manejar a equação tempo X dinheiro.

Então imagine minha alegria quando contei à minha mãe sobre meus planos e em vez de um “vai nessa, aproveita, você merece”, ouvi um sonoro e retumbante: “hãn.” Aquele “hãn” que não diz nada, mas diz tudo ao mesmo tempo. Insinua que você não sabe o que está fazendo e, se sabe, está fazendo errado.

Uma pessoa próxima me contou que os filhos dela não dão um passo sem consultá-la. Que o filho mais velho, de quase 35 anos, não compra um azulejo sem pedir a opinião dela. Perguntei o que ela pensava disso e ela me respondeu que achava ótimo que eles a procurassem, assim tomariam sempre as melhores decisões.

Talvez ela esteja certa. É provável que muitas vezes nossas mães saibam qual é a melhor decisão a se tomar. Mas, talvez, por um excesso de proteção ou porque elas veem seus filhos como uma extensão delas mesmas, às vezes elas esqueçam que eles são pessoas diferentes, com personalidade própria, gostos, vontades e objetivos que podem ser distintos dos delas. E os filhos, ávidos por aprovação, também acabam se esquecendo disso.

Não vou julgar quem faz questão de sempre consultar os pais. Eu mesma já fui uma dessas. Aliás, eu costumava pedir conselhos a todo mundo, o tempo todo. Mas é bom entender onde acaba a prudência e onde começa a pura insegurança. Se eu não for capaz de fazer escolhas sozinha e pagar o preço delas, nunca vou deixar de ser uma pós-adolescente. Porque não basta ter independência financeira, é preciso também conquistar a autonomia psicológica.

Há alguns anos, minha tia me contou uma história melodramática sobre uma parente de uns 40 anos que nunca cortara o “cordão umbilical”. Lembro bem dela contar isso olhando diretamente nos meus olhos, como quem diz “entendeu, né, Natalia”. Na verdade, ela chegou a dizer “entendeu, né, Natalia”. E repetiu “entendeu, né, Natalia” algumas vezes.

Acabou que eu fui a única de todos os primos que saiu de casa sem nenhuma ajuda dos pais. Não devo nada disso à sentença que minha tia me deu anos atrás, mas sempre tive vontade de dizer  “agora pega meu cordão umbilical e enfia na bunda”. E quem sabe encerrar com um sucinto, elegante e materno: “hãn”.
 
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